The original version of this article appeared in English on DeSmog on 26 November 2025
Alimentos e agricultura estarão no centro dos holofotes na próxima rodada de negociações climáticas globais, no Norte do Brasil.
De 6 a 21 de novembro, representantes de quase todos os países se reúnem em Belém, capital regional e porta de entrada da Amazônia — enquanto a maioria das nações ainda está longe de cumprir as metas de cortes profundos nas emissões de carbono necessários para conter os impactos catastróficos de mudanças climáticas.
Alguns grupos que atuam nas áreas de alimentação e clima esperam que esta trigésima Conferência das Partes (chamada COP30) seja um divisor de águas na reforma dos sistemas alimentares, que hoje respondem por cerca de um terço de todas as emissões de gases de efeito estufa.
Afinal, o Brasil — que preside a COP30 — tem fama de diplomacia habilidosa e colocou a agricultura como o objetivo nº 3 da agenda da conferência.
Em casa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tirou milhões da fome e se comprometeu a proteger ecossistemas ameaçados na Floresta Amazônica e no Cerrado. O Brasil também se destaca como a 11ª maior economia do mundo, além de ser uma potência agropecuária, onde gigantes bilionárias da carne bovina e dos grãos se esbarram com a agricultura familiar apoiada pelo Estado, que produz a maior parte dos alimentos do país.
Mas quem defende uma transformação ambiciosa dos sistemas alimentares terá muito trabalho em Belém. Encontrará uma oposição entrincheirada, liderada pelo agronegócio brasileiro, que passou 2025 afiando seus argumentos.
O setor agropecuário está sob pressão para se readequar. Produz um coquetel potente de gases do efeito estufa que aquecem o clima — desde o óxido nitroso emitido pelos fertilizantes até o metano ascendente liberado pelos tratos digestivos dos 3,5 bilhões de vacas, ovelhas e cabras do mundo.
O principal órgão científico climático das Nações Unidas, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), deixa claro: a ação climática deve incluir reduções rápidas das emissões provenientes da alimentação e do agronegócio. A indústria da carne, em particular, está em destaque como a fonte de quase um terço das emissões de metano.
Os ativistas têm descrito reduzir a poluição de metano da agricultura — que ultrapassa a da indústria do petróleo e do gás — como “a alavanca mais rápida e econômica disponível para abrandar o aquecimento ainda nesta geração”. A melhor forma de puxar esse “freio de emergência”, de acordo com a ciência revisada por pares, é reduzir o consumo de carne vermelha — especialmente em países ricos e de renda média.
Em Belém, porém, a agropecuária insistirá que, de fato, é a solução para as mudanças climáticas. Para manter cortes na produção fora de cogitação, delegados do Brasil, dos Estados Unidos e de outros países produtores de gado devem minimizar os impactos do setor, apostar em soluções técnicas que não podem reduzir as emissões de forma confiável e retratar a regulamentação vinculativa de seu setor como uma ameaça à saúde, à prosperidade e ao bem-estar humano.
Numa iniciativa bem recebida pela sociedade civil e pelos decisores políticos, a presidência brasileira da COP tem defendido o tema “Integridade da Informação”, para enfrentar o maremoto de desinformação e informações falsas sobre o clima. Mas o greenwashing do agro, contudo, é mais sutil.
A seguir, oito argumentos para você se preparar para reconhecer em Belém:
Agricultura Regenerativa
Servido com: carne bovina alimentada com capim, pastagem regenerativa, agricultura de carbono, carbono positivo
Sem definições ou padrões universalmente aceitos, o termo “agricultura regenerativa” — que faz referência ampla a práticas agropecuárias ecologicamente amigáveis que podem levar ao aumento do armazenamento de carbono em solos saudáveis — é um favorito firme nos planos de net zero (zero líquido) de poluidoras como McDonald’s e Cargill.
É o tema de nada menos que 27 painéis programados no “Pavilhão Agrizone” da cúpula do clima (um dos vários espaços que realizam eventos temáticos à margem das negociações oficiais), que é organizado pela Embrapa, a agência pública de pesquisa agrícola do Brasil, e patrocinado pela Nestlé e pela empresa de pesticidas Bayer.
As práticas de cultivo de terras vagamente agrupadas em “regenerativas”, como agricultura orgânica e plantio direto (sem revolvimento do solo), têm benefícios que incluem armazenamento de longo prazo (ou sequestro) de carbono no solo, além de aumentar a biodiversidade.
No entanto, um crescente corpo científico descobriu que o sequestro de carbono no solo pode compensar, na melhor das hipóteses, uma pequena fração das emissões do agro.
A indústria da carne bovina, em particular, gosta de insistir que o pastoreio regenerativo de gado e a gestão do estrume podem reduzir significativamente as emissões de carbono do setor — que são aproximadamente equivalentes a toda a Índia.
Em COPs anteriores, grupos como a Pacto de Proteína, um grupo de lobby da indústria de carne dos EUA, exaltaram ganhos ambientais de fazendas-vitrine para sugerir que a criação intensiva de gado é sinônimo de sustentabilidade e proteção da natureza.
Mas a contribuição desproporcional da produção de carne para as emissões de metano não deixa dúvidas entre os cientistas sobre os impactos da indústria — nem sobre o que precisa ser feito.

Em 2024, uma pesquisa com 200 especialistas, publicado pelo Programa de Direito e Política Animal de Harvard, apontou que 85% concordam que os alimentos de “origem animal” devem ser reduzidos nas dietas de nações ricas e de renda média para provocar uma redução de 50% nos gases de efeito estufa da pecuária até 2030, para permanecer dentro das metas climáticas acordadas em Paris.
Observação: O selo “regenerativo” também traz promessas financeiras para o agronegócio. Mudanças recentes no Acordo de Paris abriram os mercados de carbono para “créditos baseados no solo”, que agora estão sendo negociados sob Mercados da ONU.
Agricultura Tropical
Combina com: agricultura regenerativa, “clima neutro”, compensações de carbono
O “enviado especial do Brasil para a agricultura”, Roberto Rodrigues, chega à COP30 pronto para persuadir negociadores de que seu país pode assumir a liderança na “agricultura tropical de baixo carbono”.
Essa versão latino-americana da agricultura regenerativa é usada para sugerir que solos de regiões quentes e plantio de árvores podem absorver carbono suficiente para compensar o metano gerado pelos 195 milhões de cabeças de gado do Brasil.
Antes da cúpula em Belém, grandes poluidores do agro usaram a narrativa “agricultura tropical” para alegar “neutralidade de carbono”. Entre eles está a gigante brasileira de carnes JBS, cujas emissões de metano em 2024 teriam superado a soma da ExxonMobil e da Shell juntas.
A base científica para essa ideia vem, em grande parte, da Empresa Brasileira de Pesquisa (Embrapa). Seus protocolos de carne bovina “baixo carbono” e “neutro em carbono” são agora peças-chave para o marketing da indústria.
Pesquisas independentes, no entanto, mostram que o solo não dá conta de compensar o metano da pecuária tropical. “As emissões da pecuária podem ser reduzidas”, afirma o renomado cientista do solo Pete Smith. “Mas qualquer alegação de que o carbono do solo poderia ser aumentado a ponto de compensar as emissões é absurda – e não é apoiada por evidências.”
Outros especialistas questionam elementos da metodologia da Embrapa, dizendo que ela não leva em conta o fato de que a maioria das pastagens brasileiras são criadas pelo desmatamento, o que libera muito mais CO₂ do que as novas árvores conseguem recapturar.

Claudio Angelo, diretor de comunicações do Observatório do Clima, uma coalizão de ONGs climáticas, concorda que a agricultura brasileira fez melhorias que podem sequestrar carbono em escala limitada — recuperando pastagens degradadas, gerenciando o pastoreio e integrando a agrofloresta às fazendas de gado.
Mas chamar o setor de altamente sustentável com base nisso seria “desonestidade intelectual”, ele disse recentemente à Bloomberg.
Angelo aponta para um contexto mais amplo. A pegada de metano do Brasil aumentou 6% desde 2020, e a agropecuária respondeu por mais de 74% das suas emissões nacionais em 2023. A expansão das terras de cultivo e das operações pecuárias também impulsionou a perda de 97% da vegetação nativa nos últimos seis anos.
Os defensores da agricultura tropical que insistem que o setor pode continuar a crescer estão na contramão do consenso científico. Artigo de setembro de 2025 publicado na revista One Earth, com revisão por pares, concluiu que as tendências atuais do sistema alimentar apresentam um “risco inaceitável” e prescrevem mudanças nas dietas em todos os cenários para permanecer dentro de um clima habitável e evitar pontos de inflexão além do qual grandes ecossistemas como a floresta amazônica e os recifes de corais não conseguem se recuperar.
“Para se alinhar ao Acordo de Paris, seriam necessárias reduções absolutamente drásticas na produção de ração (incluindo pastagem) e na produção de alimentos de origem animal nesta região”, disse Helen Harwatt, cientista de clima e sistemas alimentares da Universidade de Oxford, por e-mail. Uma “redução drástica no consumo de carne bovina” também é necessária, disse ela, observando que os brasileiros consomem 20% mais carne bovina do que os americanos, embora os EUA sejam o maior produtor mundial de carne bovina. Harwatt contribuiu para o relatório do Programa de Direito e Política Animal de Harvard.
Ainda assim, se considerarmos o recente documento de posição da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), a entidade comercial deve se apresentar na cúpula como“líder em agricultura de baixo carbono” — e não mencionar a necessidade de reduzir o gado.
O Enviado Especial Rodrigues foi além. Ele lidera um apelo da indústria para permitir que o Brasil, e países semelhantes, incluam o carbono sequestrado no solo pela agricultura tropical em seus relatórios de emissões.
Em resposta a perguntas, a Embrapa afirmou em um e-mail que “as emissões relacionadas ao desmatamento são incorporadas na calculadora de carbono ao longo de um período de 20 anos”, acrescentando que “os protocolos [Carne Bovina de Baixo Carbono e Carbono Neutro] são cientificamente fundamentados e seguem métricas reconhecidas pela melhor ciência disponível”.
Sem aquecimento adicional
Combina com: neutralidade climática, GWP*, agricultura tropical
O assunto sobre como medir melhor as emissões de metano provavelmente surgirá com frequência em Belém, à medida que nações com indústrias pecuárias antigas, grandes e altamente poluentes tentam adotar metodologias que funcionem a seu favor.
A ferramenta de escolha deles é o GWP* (Global Warming Potential star) ou “Potencial de Aquecimento Global estrela”. Usado em escala global, o GWP* pode ser uma métrica útil para comparar o crescimento das emissões de gases de curta duração que retêm calor, como o metano, com os impactos do CO2 de longa duração. A controvérsia surge quando um país ou empresa aplica o GWP* — que não é usado pelo IPCC — a si mesma. Isso leva a uma subestimação drástica das emissões de grandes produtores de carne e laticínios, enquanto pequenos aumentos em outros lugares são punidos.
Os promotores do GWP* incluem poderosos grupos da indústria dos Estados Unidos, Austrália e América Latina, juntamente com o acadêmico da Universidade de Oxford, Myles Allen, que desenvolveu a métrica. Este ano, pela primeira vez, seus proponentes incluem governos — mais recentemente a Nova Zelândia, que acaba de consagrar o GWP* em suas metas climáticas nacionais, enfraquecendo sua meta de redução da poluição por metano.
Chamado de “truque de contabilidade” pelos críticos e apelidado de “matemática nebulosa do metano” em uma manchete da Bloomberg Green de 2021, pesquisadores avisam que a adoção do GWP* disfarçará o aumento das emissões de metano, permitindo que grandes poluidores reivindiquem “neutralidade climática” sem reduzir o tamanho dos rebanhos ou a produção de metano.
O cientista ambiental e economista Caspar Donnison compara as alegações de neutralidade climática apoiadas pelo GWP* a “alegar que você é neutro em relação ao fogo porque está colocando um pouco menos de gasolina no incêndio”.
Um grupo global de cientistas do clima divulgou publicamente um aconselhamento contra a adoção do GWP* como uma métrica comum, alegando que isso “cria a expectativa de que os atuais altos níveis de emissões de metano possam continuar”.
Allen, de Oxford, por sua vez, chamou a COP30 de uma “oportunidade para ‘reformular a política climática’ em torno de métricas alternativas como o GWP*”. Em resposta a um pedido de comentário, Allen disse por e-mail: “Acredito que as declarações climáticas corporativas e nacionais devem ser baseadas em seu impacto na temperatura global. Não me importa como as pessoas calculam isso, desde que o façam com precisão.”
Os grupos comerciais do agronegócio no Brasil pegaram o bastão, adicionando o GWP* ao seu kit de ferramentas de agricultura tropical, e o apoio da Embrapa à métrica está crescendo.
Bioeconomia
Combina com: economia circular, biogás, biocombustíveis, sociobioeconomia
Assim como “agricultura regenerativa”, o termo “bioeconomia” abrange ideias variadas para transformar a produção e o consumo para fazer as economias funcionarem em harmonia com a natureza.
O termo assumiu, no entanto, uma tonalidade completamente diferente, desde que se tornou sinônimo de crescimento verde no Brasil e na Europa, abraçado tanto pelo agronegócio quanto pelo governo. Os críticos dizem que eles têm sequestrado o termo usado para dar um toque verde à expansão da agricultura destrutiva.
Nas mãos de corporações como Cargill e a empresa de laticínios Arla, bioeconomia se transformou em verniz para um conjunto de combustíveis controversos, supostamente “verdes”, como os chamados “biocombustíveis”. Tipicamente, biocombustíveis referem-se a combustíveis líquidos produzidos a partir de materiais orgânicos (denominados “biomassa”), que vão desde o etanol de milho, um aditivo para gasolina, até o biodiesel de óleo de soja. Nos EUA, gordura animal de frigoríficos é outra importante matéria-prima para biocombustíveis de acordo com a Agência de Informação Energética.
Cientistas e ativistas ambientais têm fortemente criticado biocombustíveis porque a sua produção em grande escala requer a utilização de vastas extensões de terras para monoculturas de cana-de-açúcar e soja, o que pode levar ao desmatamento e à perda de biodiversidade, além de criar competição com culturas alimentares.

Gigantes da carne, como a JBS, e multinacionais do setor alimentício, como a Cargill, também estão expandindo seu uso para o biogás: gás metano capturado de fontes como esterco ou resíduos agrícolas em decomposição. Os defensores do biogás tentam vendê-lo como energia “limpa”, que pode se tornar um substituto viável para a energia a gás natural. No entanto, ainda não está claro se o biogás pode ser produzido em escala industrial, com uma análise recente sugerindo que não pode substituir mais do que 7% da energia gerada por gás.
Pior ainda, como os biocombustíveis são produzidos a partir de matéria orgânica, eles ainda liberam gases de efeito estufa quando queimados. Um estudo de outubro pelo grupo de defesa Transporte e Meio Ambiente descobriu que para cada unidade de energia criada pelos biocombustíveis, eles emitem 16% mais CO2 do que os combustíveis fósseis que substituem, devido aos impactos associados à agricultura e ao desmatamento.
Como grande produtor de etanol de cana-de-açúcar, o Brasil apostará forte na bioenergia na cúpula do clima. De acordo com um documento vazado visto pelo The Guardian, o Brasil planeja defender uma promessa global de quadruplicar o que insiste em ser “combustível sustentável”, principalmente biocombustíveis e biogás.
Nós alimentamos o mundo
Combina com: eficiência, intensidade de emissões, Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), nutrição, “O Brasil saiu por pouco do mapa da fome”
A indústria da carne colocou esta afirmação em primeiro plano no seu plano de lobby para a COP28 em Dubai, e é provável que retorne este ano na COP30, particularmente em torno do lançamento antecipado do Brasil da “Declaração de Belém sobre Fome e Pobreza”.
O agronegócio usará esse argumento para sugerir que qualquer tentativa de regulamentar o setor de acordo com recomendações baseadas na ciência para proteger o clima fará com que os mais pobres passem fome.
Esta afirmação esconde uma verdade inconveniente: o planeta já produz 1,5 vezes mais comida do que precisa, mas a fome persiste devido ao desperdício, à pobreza e à desigualdade — agravada pelos crescentes impactos climáticos.
A fome se resolve com políticas e boas políticas, não com a produção. Embora a pecuária continue sendo vital para dietas saudáveis em algumas partes do mundo, a pesquisa mostra que a expansão da indústria de carnes e laticínios pouco contribuiu para melhorar a segurança alimentar em países de baixa renda. Em vez disso, está impulsionando o consumo excessivo em países mais ricos, onde a ingestão elevada de carne (especialmente carnes vermelhas e processadas) tem sido associada a problemas de saúde.
Cerca de 50% do milho e 75% da soja são destinados à alimentação animal, não humana. Cientistas do clima e a Comissão EAT-Lancet têm estressado que cortar a produção de carne em países de alta renda liberaria vastas áreas de terras cultiváveis para produzir grãos e leguminosas que poderiam alimentar muito mais pessoas, com muito menos emissões.
Um estudo de 2016 mostrou que são as pequenas propriedades rurais que fornecem a maior parte dos alimentos nas regiões que abrigam o maior número de pessoas passando fome, produzindo mais de 70% das calorias na América Latina, África Subsaariana e Sudeste Asiático.
Quando o Brasil saiu do Mapa da fome da ONU — justamente comemorado como um enorme passo—, seu sucesso não veio das exportações do agronegócio, mas das políticas alimentares locais do Estado e dos investimentos em programas de apoio a pequenos agricultores.
A Comissão EAT-Lancet — que analisou como alimentar toda a população mundial com uma dieta saudável sem ultrapassar os limites planetários — propôs uma dieta mais rica em grãos integrais, leguminosas e sementes para obter proteína. O relatório histórico da comissão de 2019 sugeriu que as pessoas deveriam consumir, em média, 50% menos carne vermelha em todas as regiões do mundo, exceto duas.
Outros estudos confirmaram que a redução do consumo de carne seria uma consequência global “ganha-ganha-ganha”, reduzindo a poluição que causa o aquecimento global, conservando a biodiversidade e melhorando a saúde humana.
À medida que os impactos das alterações climáticas pioram, o verdadeiro desafio, de acordo com o professor Raj Patel da Universidade do Texas, reside em como canalizar fundos para sistemas agroecológicos mais resilientes e diversos, que recebem uma fração do apoio financeiro fornecido ao agronegócio industrial, em vez de expandir a pecuária industrial sob o pretexto de alimentar o mundo.
O Agro é progresso e desenvolvimento
Combina com: desenvolvimento econômico, Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)
Durante o encontro, você poderá ouvir as melodias cativantes do “agronejo”, um gênero de música country com toques de hip-hop e pop eletrônico, que pinta o agro como sinônimo de riqueza, prosperidade e poder.
O “agronejo” é apenas um exemplo da indústria cultural do agronegócio e sua poderosa campanha de relações públicas no Brasil, onde possui canais de TV, programas e editoras próprias, além de dedicar recursos para “construir empatia pelos produtores” entre crianças em escolas brasileiras por meio de livros didáticos, audiolivros e recursos para professores (uma tática também usada na Irlanda e nos EUA).
À medida que a conferência climática se aproxima, a JBS está patrocinando conteúdo sobre a COP30 nos principais jornais brasileiros, incluindo Valor Econômico, O Estadão e O Globo.
Esta linha de criação de mitos apresenta o agronegócio como uma força modernizadora em todo o Sul Global. No recente anúncio da JBS sobre a expansão para a Nigéria, a empresa declarou que suas fábricas criarão empregos e reforçarão a segurança alimentar — afirmações contestadas por especialistas em sistemas alimentares locais.
Em contrapartida, os pequenos produtores do Sul Global são enquadrados como menos higiênicos e mais poluentes do que operações industriais de carne e laticínios, que alegam menor emissão de carbono por quilo de leite ou carne produzidos.
Este argumento desloca sutilmente o foco das emissões totais de gases com efeito de estufa do setor — nas quais os países de rendimento alto e médio-alto lideram com folga — , para destacar os 10% de poluição atribuídos aos países de baixa renda considerados “ineficientes”.
As evidências sugerem que as alegações do agronegócio sobre riqueza e empregos também soam vazias. Um estudo de 2025 mostrou que, embora os agricultores do Sul Global produzam 80% dos alimentos consumidos globalmente, os lucros do agronegócio são desproporcionalmente capturados por governos e empresas do Norte Global, por meio de atividades de alto lucro, como a comercialização e distribuição de alimentos.
Às vésperas da COP30, que os pequenos agricultores estão chamando de “cúpula do agronegócio”, a sociedade civil brasileira está realizando a Cúpula dos Povos que vai disputar espaço com a narrativa polida das relações públicas do Agro sobre soluções tecnológicas. Focada em uma visão alternativa da agricultura, a COP Popular defenderá alimentos cultivados e de origem local, além do papel dos agricultores familiares brasileiros ecologicamente comprometidos na alimentação da população.
Eficiência basta
Combina com: intensidade de emissões, inovação, novas tecnologias, produzir “mais com menos”, “Nós alimentamos o mundo”
Laticínios do Norte Global, que enviam um grande número de delegados para as cúpulas climáticas, vão reforçar o argumento de que sua parcela da crise climática pode ser resolvida por meio da eficiência, não da transformação.
Ao produzir “mais com menos”, afirmam, as emissões de carbono podem cair mesmo com o aumento contínuo da oferta de leite e manteiga. Eles argumentam que isso é possível graças a tecnologias como aditivos para rações que reduzem a “intensidade das emissões” dos laticínios: a quantidade de metano gerada por litro de leite produzido.
Em uma análise mais aprofundada, muitas das metas ousadas de redução de carbono anunciadas pelas empresas de laticínios são de intensidade, não de poluição absoluta, que continua a subir. Os dados mais recentes do setor mostram que, embora esses grupos tenham anunciado reduções de 11% na intensidade das emissões entre 2005 e 2015, as emissões da indústria de laticínios aumentaram 18% no geral — devido ao crescimento do rebanho em quase um terço.
A gigante dinamarquesa de laticínios Arla, a neozelandesa Fonterra e a chinesa Mengniu estão entre as que estabeleceram metas de redução de emissões de Escopo 3 (cadeia de suprimentos) apenas em termos de intensidade.
A menos que sejam impostos limites à produção — o que o agro está determinado a evitar a todo custo — não há garantia de que uma produção mais eficiente reduzirá a poluição.
Isso ocorre porque tornar algo mais eficiente geralmente significa usar mais, não menos — um fenômeno conhecido como paradoxo de Jevons. As empresas de laticínios na Irlanda, por exemplo, poluem menos por unidade de leite, mas o fizeram aumentando a produção. E o dinheiro economizado foi investido no aumento do tamanho do rebanho. O resultado? De acordo com os últimos dados disponíveis, as emissões de metano dos laticínios continuam a subir.
É um sinal claro do poder do lobby da pecuária que as “soluções para as mudanças climáticas” colocadas no centro do aguardado relatório de 2023 da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), “Caminhos para reduzir as emissões”, tenham sido… “tecnologia” e “eficiência voluntária” — soluções que permitem ao setor continuar crescendo. Essa conclusão ignora a literatura científica revisada por pares, que de forma consistente aponta a favor de priorizar políticas governamentais que mudem dietas de produtos de origem animal, deixando à tecnologia um papel secundário.
Gigantes dos setores de fertilizantes e pesticidas — também pressionados a reduzir suas emissões e impactos ambientais — também adotam o mesmo discurso de eficiência, anunciando drones, pulverização de precisão e sementes revestidas com produtos químicos como “soluções verdes”.
No entanto, os agroquímicos são um dos principais motores da destruição ecológica e da poluição do solo, do ar e da água. São mais utilizados para sustentar a produção de monoculturas prejudiciais, que estão no cerne dos sistemas industriais de criação animal.
Embora pequenas melhorias de eficiência sejam importantes, especialistas alertam que elas não substituem cortes absolutos em metano, fertilizantes e mudanças no uso da terra. “Eficiência” pode ser boa para os negócios, mas não para o planeta.
O problema real são os fósseis
Combina com: “o agro é a solução”, “o agro é injustamente demonizados”, “estamos reduzindo emissões”
Quando questionados sobre os impactos climáticos do agro, os lobbies da indústria costumam desviar o foco: apontar o dedo de culpa para outros setores.
Às vésperas da cúpula do clima, as organizações comerciais latino-americanas estão tentando se safar, transferindo a culpa para a indústria de combustíveis fósseis. Uma grande associação comercial do setor lamentou que as conferências recentes tenham tido um foco “distorcido” no agro, em vez de se concentrarem nas “fontes óbvias de emissões”.
Por sua vez, o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) — que representa os grandes países produtores —declarou que seu objetivo em Belém será “tirar [o agro] do banco dos réus”. Em resposta a um pedido de comentário, Lloyd Day, o diretor-geral adjunto do IICA, afirmou que, embora caracterize o agro dessa maneira, considera que o setor tem sido injustamente retratado como “vilão” nas discussões climáticas, como nas cúpulas anuais, quando, na visão dele, o setor seria na verdade “parte da solução”.
Esta tática de desviar a atenção para outras indústrias também tem sido usada por associações comerciais do agronegócio e seus aliados nos EUA, que argumentam que as contribuições do setor para a crise climática empalidecem em comparação com setores que consomem muitos combustíveis fósseis, como o transporte. Ela espelha técnicas clássicas de “atrasar e distrair” empregadas pelas indústrias de combustíveis fósseis e do tabaco, enquadrando o agronegócio como um bode expiatório — mesmo quando os sistemas alimentares consomem pelo menos 15% de todo o combustível fóssil utilizado globalmente, sob a forma de fertilizantes, transporte, plásticos e ração.
Embora o carvão, o petróleo e o gás continuem sendo os maiores responsáveis pelas alterações climáticas, as emissões dos sistemas alimentares, sozinhas, se não forem controladas, têm o potencial de levar o mundo a mais de 1,5°C.
O sistema alimentar carrega hoje a ingrata distinção de ser o principal motor de todas as outras transgressões de limites planetários, desde a destruição de florestas e o colapso de populações de vida selvagem até a poluição de frágeis reservas de água doce.
A agricultura também ultrapassa os combustíveis fósseis na poluição por metano e óxido nitroso — que juntos são responsáveis por mais de um terço do aquecimento global até o momento.
Ao afirmar que os combustíveis fósseis são os “verdadeiros culpados”, a indústria desvia a atenção de sua própria pegada ecológica e atrasa reformas significativas. Especialistas em clima argumentam que combater o aquecimento global exige confrontar ambos os setores com a mesma ambição.
JBS, PepsiCo, McDonald’s e o governo da Nova Zelândia não responderam aos pedidos de comentários antes de ir para a imprensa.
Reportagem adicional de Gil Alessi e Maximiliano Manzoni
Tradução Patrícia Kalil
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